Por Nilson Lattari*

 

                        Nem bem Guerra Infinita encerrou sua epopeia nos cinemas, e Wakanda ainda chorava as lágrimas de seu rei que desvaneceu, levado pela vontade de Thanos, um malinês chega a Paris e mostra ao mundo que uma Wakanda acaba de se revelar. Num gesto heroico, Mamoudou Gassama escala quatro andares de um prédio e salva um bebê que oscilava perigosamente em uma varanda.

            Com gestos parecidos a um desses heróis elaborados pela mente de Stan Lee, os braços longos e impressionantes, sem nenhuma hesitação, escala o improvável diante de um público estupefato, o imigrante ilegal sai do seu anonimato, o mesmo a que tantos estão entregues no mundo, vestindo uma capa ausente de super-herói sai em busca de um ato corajoso, ousado e eletrizante.

            Como se tivesse sido retirado de um filme da Marvel, Mamoudou se expõe ao mundo, saindo do mundo virtual onde transita, sem os documentos de permissão, abandona toda a sua informalidade e se entrega.

            Stan Lee, em programas de séries da TV, fala dos super-humanos, aqueles que são capazes de fazer o que outro não faz.

            Estava, naquele ser humano negro, africano, imigrante, o símbolo da segregação e da busca de oportunidades em outro mundo mais rico, o ato corajoso, a superheroicidade de cada um. Talvez alguns outros seres até tenham alguns olhares mais aguçados, possam elevar pesos muitas vezes superiores aos seus próprios pesos, correr como nenhum outro ou saltar. Mamoudou escalou andares que nunca lhe foram oferecidos como treinamento antes, mesmo diante de supostos funcionários com a “expertise” para isso, e fez o que ninguém poderia fazer, naquele momento.

            O que leva alguns seres a abandonarem uma zona de conforto e fazer isso? O que leva um ser humano a abandonar a sua pátria, cultura e se aventurar em terras desconhecidas? O que leva um ser humano a abandonar sua identidade secreta no esconderijo das autoridades, podendo ser perseguido como um criminoso sem crime existente? Muitos motivos.

            O imigrante tem como sua performance secreta a invisibilidade, como invisível são todas as funções que a sociedade de países mais avançados precisam, mas fingem ignorar: nós lhes damos trabalho até que não nos venham causar trabalho. Mamoudou abandonou tudo isso e cometeu o sacrilégio de se revelar ao mundo parisiense e europeu, em nome de apenas um superpoder que é inerente ao ser humano, em qualquer tempo, espaço ou cultura: a solidariedade.

            Em tempos de Marvel, e os seus superpoderosos, podemos combinar que todos nós precisamos de nós todos. Somos uma humanidade inteira, com seus desacertos e acertos, mas sempre vamos descobrir que esse superpoder vem do improvável, do mais simples gesto, mesmo nesse super-herói que teve tremedeiras depois do ato corajoso, confessou. Em tempos de multiculturalismo, também podemos misturar desejos e poderes, dizendo que “A força esteja com todos nós”.

 

* Nilson Lattari, colunista e colaborador voluntário na Folha da Praia Online, é graduado em Literatura pela UERJ, especializado em Estudos Literários pela UFJF. Foi o primeiro colocado em crônicas no Prêmio UFF de Literatura, 2011 e 2014, e terceiro colocado em contos pelo mesmo prêmio em 2009. Primeiro colocado em crônicas prêmio Darcy Ribeiro – Ribeirão Preto, 2014. Finalista em livro de contos Prêmio SESC de Literatura 2013, finalista em romance Prêmio Rio de Literatura, 2016, além de várias menções honrosas em contos, crônicas e poesias.

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