Por Nilson Lattari

As mãos tremeram na máquina do tempo quando abriu a pasta envelopada e descobriu dentro dela a carta perdida, da qual somente guardava uma pálida lembrança, brincadeira de criança, dirigida ao ser que desejava que existisse no futuro: ele.

            Haveria cobranças. No fundo, sempre temeu encontrá-la, como se o conteúdo nela existente fosse um esforço muito além daquele que poderia, em sã consciência, ser levado a sério.

            O papel amarelecido pelo tempo (Quanto tempo? Quinze, vinte anos?) teimava em não abrir, com a cola pegajosa do envergonhamento a resistir e brigar por estar novamente diante dos seus sonhos: tolices de criança, adolescente sem sentido.

            Foi com dezoito anos que decidiu fazer uma cobrança a si mesmo na frente do tempo, inexistente e majestoso a reclamar grandes eventos e grandes descobertas, grandes desejos e pouco sofrimento. Futuro brilhante e astuto a dar um norte, um consenso para garantir uma vida dourada.

            Qual o quê! Sabia o que estava escrito, não o sabia vagamente, mas ao abrir o desfolhar do pequeno papel ia redesenhando em sua mente o que havia proposto a si mesmo no futuro.

            “Senhor de cinquenta anos. Espero encontrá-lo feliz e confortável na sua casa a reler o que havíamos combinado. Que você tenha mulher e filhos tão ou mais vorazes de futuro como nós. Que a sua vida seja brilhante como Engenheiro Químico. Não ligue para besteiras, apenas se ligue na modernidade que você está vendo agora. Voarão os carros? Que você tenha um, ou dois, ou três para a sua família inteira. Que você tenha conhecido muitos países e deles traga lembranças e enfeite a nossa casa. Demonstre para aquela professora que nós conhecemos que nós somos vencedores e que algum dia ao encontrá-la lhe diga que, finalmente, nós fomos muito além daquilo que ela nos disse. Ah! Reencontre a Mariana e lhe mostre que nós conseguimos muito mais do que o parvo do Celso que a roubou de nós.

            E nesse futuro, o que você terá diante dos olhos? Finalmente uma guerra ou uma paz mundial, o mundo possível, ou o mundo que não terá mais jeito? Teremos uma sociedade perfeita, onde todos terão suas chances, ou nos entregaremos à barbárie, mesmo aquela envolta em fantasias, encoberta pela mentira? O que será?

            Desejo-lhe sorte, muita sorte, e que você tenha pavimentado nossos caminhos de forma que a vida não nos tenha sido dura. Você terá uma doença, estará doente quando nos reencontrarmos? Espero que não. Como seria ideal que você me respondesse esta carta e me dissesse o que evitar, o que fazer! Não seríamos injustos para com os outros. Apenas nos defenderíamos.

            Estranha esta nossa comunicação. Escrevemos para nós e somente as respostas ficarão congeladas no tempo, assim como as perguntas? Por favor, nos surpreenda.

            Um abraço.”

            Gostaria de te responder, mas não é possível. Apenas gostaria de dizer que a melhor caminhada não é aquela que chega ao seu final, mas aquela em que conseguimos olhar para os lados e guardar na memória as pessoas e as coisas que vimos e vivemos.

            Conseguimos quase tudo e Mariana ao meu lado sorri. Não, não somos engenheiros, temos filhos e os carros não voam. A única resposta que dou é que os nossos objetivos foram atingidos, um pouco diferentes, mas, me pergunto, do fundo da nossa alma: é isso que é ser feliz? Conseguir as coisas materiais, os amores? Não! A grande resposta está em caminhar. Não pavimentei nosso futuro da forma que você imaginou. Mas, ele foi feito de grandes histórias e, principalmente, de grandes desilusões. E como elas ensinam!!

            O medo, esse grande destruidor de sonhos, na verdade, é o motor da vida. Ele nos faz regatear, mas é temerário e nos faz ser corajosos. Você falou do nosso futuro, mas não falou do medo que nos impede de seguir adiante. A felicidade é a consciência dos nossos próprios limites. O medo nos dá os limites e, ao mesmo tempo em que nos baliza, nos mantendo em nossos limites, traz a felicidade do possível.

* Nilson Lattari, colunista e colaborador voluntário na Folha da Praia Online, é graduado em Literatura pela UERJ, especializado em Estudos Literários pela UFJF. Foi o primeiro colocado em crônicas no Prêmio UFF de Literatura, 2011 e 2014, e terceiro colocado em contos pelo mesmo prêmio em 2009. Primeiro colocado em crônicas prêmio Darcy Ribeiro – Ribeirão Preto, 2014. Finalista em livro de contos Prêmio SESC de Literatura 2013, finalista em romance Prêmio Rio de Literatura, 2016, além de várias menções honrosas em contos, crônicas e poesias.

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