Ao receber o prêmio de honraria da Universidade de Notre Dame, em São Paulo, o juiz Sérgio Moro declarou que “nós nunca vamos nos entregar à corrupção”, e que está no fim a era dos “barões da corrupção”.

O presidente da Universidade, John I. Jenkins, disse que o magistrado está engajado em nada menos do que a preservação da integridade da nação brasileira, com aplicação firme e imparcial de lei. “Ao abordar os problemas perniciosos da corrupção pública de uma maneira judicial mas diligente, você fez uma diferença marcante na vida dos brasileiros e no desejo universal da humanidade de sede de justiça. Por estas razões, estou honrado em conceder à você o prêmio de Notre Dame”, disse Jenkins.

“Democracia com integridade é o caminho”, disse Sérgio Moro ao final de sua fala, quando agradeceu a atenção e apoio dos presentes.

 

Leia o discurso completo:

Eu devo dizer que eu sou apenas um dos agentes do Movimento brasileiro anticorrupção.

Os cidadãos brasileiros recuperaram em 1985 todos os seus direitos e liberdades democráticas depois de mais de vinte anos de ditadura militar.

As Forças Armadas brasileiras tiveram um grande e importante papel na história do Brasil. Elas foram responsáveis pela independência e a integridade territorial do Brasil, mas esse período de ditadura militar foi – sem qualquer dúvida – um grande erro.

Apesar da recuperação completa de nossos direitos e liberdades democráticas em 1985, outros erros foram cometidos desde então. Parece que nós, como um povo, falhamos em prevenir o desvio e o abuso do poder público para ganhos privados. Então a corrupção cresceu e com o tempo espalhou-se, tornou-se endêmica ou sistêmica.

Entetanto, não há democracia real com corrupção disseminada e impunidade. Democracia exige governo de leis, instituições fortes e integridade.

Especialmente desde uma decisão famosa do Supremo Tribunal Federal brasileiro em 2012, no assim chamado Mensalão, os cidadãos brasileiros começaram a entender que a corrupção mina a eficiência da economia e a qualidade de nossa democracia.

A assim chamada Operação Lavajato é somente mais um grande passo na luta do povo brasileiro contra a corrupção disseminada.

Eu apenas tive a oportunidade de servir ao povo brasileiro como um juiz em alguns desses casos criminais importantes.

Atualmente, a Operação Lavajato em Curitiba está possivelmente chegando ao fim. Vários casos já foram julgados e vários criminosos poderosos estão cumprindo pena após terem sido condenados em um julgamento público e com o devido processo legal.

Ainda há investigações e casos relevantes em andamento em Curitiba, mas uma grande parte do trabalho já foi feita. Mas, atualmente, outros juízes estão desempenhando um papel importante e realizando um trabalho fantástico em outras jurisdições, por exemplo em Campo Grande, Rio de Janeiro, Porto Alegre e Brasília.

O Supremo Tribunal Federal brasileiro está também fazendo a sua parte. Ele proferiu decisões importantes em 2015 e 2016, proibindo contribuições eleitorais ilimitadas por parte de empresas – o que era uma fonte de corrupção, e permitindo a execução de uma condenação criminal logo após o julgamento por uma Corte de Apelação.

Antes era necessário aguardar uma decisão final por uma Corte Superior. Isso, na prática, significava impunidade porque esses casos envolvendo acusados poderosos nunca chegavam no passado ao fim.

Esses novos precedentes do Supremo Tribunal Federal brasileiro foram e ainda são fundamentais.

Existem ainda casos criminais envolvendo elevados agentes políticos e públicos perante o Supremo Tribunal Federal brasileiro em virtude do privilégio de jurisdição denominado ‘foro privilegiado’ e todos têm a expectativa de que eles serão julgados com a mesma correção e rigor que o caso Mensalão.

Então os esforços do Brasil contra a corrupção disseminada não mais dependem exclusivamente do trabalho dos policiais, procuradores e juízes de Curitiba.

O Movimento brasileiro anticorrupção está crescendo, está se espalhando e está tornando-se forte com o apoio da imprensa, da opinião pública e do povo brasileiro. E igualmente de nossos amigos no exterior, como a Universidade de Notre Dame.

Atualmente alguns de nossos vizinhos na América Latina nos olham com alguma admiração e pensam seriamente em copiar esses esforços contra a corrupção em seus próprios países.

O Brasil deve se orgulhar de seus esforços contra a corrupção disseminada. Como dito em uma oportunidade pelo presidente norte-americano Theodore Roosevelt: “A exposição e a punição da corrupção pública é uma honra para a nação, não uma desgraça. A vergonha reside na tolerância, não na correção. Nenhuma cidade ou Estado, muito menos a Nação pode ser ofendida pela aplicação da lei.”

Existem, é certo, reações contra o movimento brasileiro anticorrupção, especialmente da parte daqueles que vivem sob a corrupção disseminada e que lucram ou ganham poder com ela.

A vergonha está com eles. É sempre difícil fazer previsões sobre o futuro. Mas, a despeito dessas reações contra o Movimento brasileiro anticorrupção, há razões para ter fé no futuro, para manter uma esperança infinita de que os dias de impunidade e da corrupção disseminada estão chegando ao fim.

‘Esperança infinita’ são as mesmas palavras usadas por Joaquim Nabuco do Movimento brasileiro abolicionista no século 19 para dizer que eles nunca iriam desistir apesar de derrotas momentâneas.

O mesmo é verdadeiro aqui.

Nós nunca nos renderemos à corrupção.

A era dos nossos barões da corrupção está chegando ao fim e o império da lei está se tornando uma possibilidade real no Brasil.

O objetivo é democracia com integridade.

Agradeço a todos por sua atenção e apoio.”

São Paulo, 2 de outubro de 2017. Sérgio Fernando Moro, Juiz Federal.

 

* Com informações de O Antagonista e Estadão

Foto: GettyImages

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