O dia 7 de setembro de 1822 ficou marcado como o momento em que o nosso país se tornou independente de Portugal. Segundo a história oficial, foi quando D. Pedro I soltou o famoso grito de “Independência ou Morte” às margens do Rio Ipiranga, tornando-se fundador e primeiro monarca do Império do Brasil. Mas por trás desse evento histórico existem muitas passagens mal contadas. Confira abaixo 7 mitos e curiosidades sobre uma das mais importantes datas brasileiras:

1 – Jogo de cartas marcadas?

O processo que tornou o Brasil independente de Portugal foi visto por muito tempo como um jogo de cartas marcadas. Isso porque, ao contrário do que aconteceu em outros países da América Latina, a independência foi proclamada pelo filho do rei do país colonizador. Ou seja, as coisas teriam mudado para ficar iguais. Mas será que foi isso mesmo? “A independência do Brasil não foi um jogo de cartas marcadas por uma razão muito simples: todos os grandes acontecimentos históricos são caracterizados por uma grande indeterminação”, diz Christian Lynch, pesquisador e professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). 

Na prática, o processo de independência havia começado em 1808, quando a família imperial portuguesa, fugindo de Napoleão Bonaparte, se estabeleceu no Brasil. Mais de uma década depois, o povo português é que estava revoltado com o exílio de seu monarca. “Portugal tinha empobrecido miseravelmente depois que a corte saiu de lá. (Os portugueses) é que estavam falando que tinham virado colônia do Brasil”, afirma o escritor Paulo Rezzutti. Assim, em 1820, houve a Revolução do Porto, quando os portugueses exigiram a volta de D. João VI. Com receio de perder o trono, ele retornou à Lisboa em 1821, deixando seu filho D. Pedro I no Governo do Brasil. Esse movimento impulsionou o processo de Independência no ano seguinte.

2 – A famosa frase do “Dia do Fico” nunca foi dita

Alguns meses antes da Independência, em 9 de janeiro de 1822, aconteceu o “Dia do Fico”. Foi quando  D. Pedro I declarou que não cumpriria as ordens das Cortes portuguesas, que exigiam sua volta a Lisboa, ficando no Brasil. “Se é para o bem de todos e felicidade geral da Nação, estou pronto! Digam ao povo que fico”, teria dito. O problema é que essa declaração foi inventada pelos jornais da época. Na verdade, o então príncipe usou palavras bem mais pragmáticas: “Convencido de que a presença de minha pessoa no Brasil interessa ao bem de toda a nação portuguesa, e conhecido que a vontade de algumas províncias assim o requer, demorarei a minha saída até que as Cortes e meu Augusto Pai e Senhor deliberem a este respeito, com perfeito conhecimento das circunstâncias que têm ocorrido”.

3 – A cena da declaração de Independência não foi tão heroica

Uma das imagens mais célebres da declaração de Independência é o quadro “Independência ou Morte”, de Pedro Américo, pintado em 1888, mais de 60 anos depois do evento ter acontecido. A obra basicamente retrata uma cena que nunca existiu. Os eventos de 7 de setembro de 1822 foram bem menos heroicos do que conta a versão oficial. Em primeiro lugar, D. Pedro I não empunhava uma espada naquela ocasião. A tropa que o acompanhava também não era tão grande quanto aparece no quadro. 

Outra imprecisão do quadro: D. Pedro não viajou  em cima de um belo cavalo, mas de uma modesta mula. Apesar de todos estarem retratados com sofisticadas roupas de veludo, na realidade a comitiva usava vestimentas bem mais simples, de algodão, para suportar o calor. Também não havia a presença do povo na hora do Grito do Ipiranga, ao contrário do que retrata a pintura.

Além disso, o protagonista da história estava sofrendo de indisposição naquele dia. “Durante todo o caminho, D. Pedro veio parando porque uma diarreia pegou ele de jeito e ele tinha que se aliviar o tempo todo, sempre procurando uns arbustos”, conta o jornalista Marcelo Duarte. 

4 – A pouco lembrada participação de Maria Leopoldina na Independência

O grito do Ipiranga aconteceu só no dia 7 de setembro de 1822, mas o documento que declarou a Independência do Brasil já havia sido assinado no dia 2 do mesmo mês por Maria Leopoldina, esposa de D. Pedro I. Ela usou seus atributos de chefe interina do governo para fazer uma reunião com o Conselho de Estado, ocasião em que o documento foi assinado.

Os brasileiros temiam que D. Pedro seguisse seu pai, partindo para terras portuguesas, o que rebaixaria o país ao status de simples colônia, em vez de um reino unido com Portugal. Também havia o receio de que uma guerra civil separasse a Província de São Paulo do resto do Brasil.  Neste cenário conturbado, D. Pedro entregou o poder a D. Leopoldina, no dia 13 de agosto de 1822, nomeando-a chefe do Conselho de Estado e Princesa Regente Interina do Brasil. Então, ele partiu para São Paulo para assegurar a lealdade dos locais à causa brasileira. Ele alcançou sua capital em 25 de agosto e lá permaneceu até 5 de setembro. 

Diante das exigências de Portugal para que D. Pedro retornasse a Lisboa, Leopoldina não teve tempo de esperar pelo marido e precisou tomar uma decisão urgente. Aconselhada por José Bonifácio de Andrada e Silva, ela convocou uma sessão extraordinária do Conselho de Estado e assinou o decreto que separava o Brasil de Portugal. Depois disso, ela enviou uma carta a D. Pedro para que ele proclamasse a Independência do Brasil. A mensagem chegou a ele no dia 7 de setembro de 1822, quando ele se encontrava às margens do Ipiranga, retornando de São Paulo. 

5 – A falta de repercussão do 7 de setembro 

Apesar da importância histórica, o Grito do Ipiranga não repercutiu imediatamente. De acordo com historiadores, nenhum jornal da época noticiou o fato. As primeiras notícias sobre a declaração de Independência só surgiram a partir de 12 de outubro daquele ano, quando D. Pedro I foi aclamado Imperador do Brasil. A data de 7 de Setembro só passou a ser celebrada mais tarde.

6 – A ruptura do Brasil com Portugal teria sido pacífica

Um outro mito que envolve a Independência diz respeito ao suposto caráter pacífico da ruptura do Brasil com Portugal. Tudo teria se resolvido por meio de negociações entre D. João VI e seu filho, D. Pedro I. Na verdade, a Independência envolveu uma guerra longa e sangrenta. Os conflitos duraram entre agosto de 1821 e março de 1824.

A guerra foi travada simultaneamente em duas frentes. Uma delas abrangia as regiões norte e nordeste do Brasil. Pará e Maranhão ignoraram o Grito do Ipiranga e declararam apoio às Cortes de Lisboa. Por algum tempo, Piauí e Alagoas também obedeceram a Portugal. Após um período de confusão, Rio Grande do Norte e Ceará se aliaram ao lado do Brasil. Pernambuco também aderiu à causa da Independência. Na frente do sul, as tropas portuguesas resistiram por mais de um ano em Montevidéu, capital da Província Cisplatina, que fazia parte do império brasileiro.

O número de combatentes na guerra de independência brasileira foi maior do que o número de combatentes nas batalhas ocorridas nas guerras de libertação da América Espanhola, da mesma época. Apesar disto, não há estatísticas confiáveis em relação à precisão do número de mortes em combate. Estima-se que entre 2 mil e 3 mil pessoas tenham morrido. 

7 – A Independência não trouxe mudanças imediatas

Portugal só reconheceu a independência do Brasil em 29 de agosto de 1825, após o pagamento de 2 milhões de libras esterlinas, dinheiro que D. Pedro pegou emprestado da Inglaterra. Apesar do valor histórico do 7 de setembro, velhas estruturas sociais permaneceram intactas, já que a população mais pobre não fez parte do processo e permaneceu a distribuição desigual de renda. De um lado, havia uma poderosa elite agrária e, do outro, os traços fortes de uma nova nação que carregaria por muito tempo em sua história o peso de centenas de anos de escravidão.


Imagens: François-René Moreaux, Pedro Américo, Georgina de Albuquerque e Jean-Baptiste Debret, via Wikimedia Commons

 

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