Por Nilson Lattari*
O pai colocou, cuidadosamente, as folhas de jornal na mesa e começou a dobrá-las. Os olhos brilhantes do menino observavam o movimento das mãos dele, montando cada uma das peças, seguidos de um alisar para que o papel adquirisse a forma desejada.
Como um passe de mágica, surgiu um chapéu que o garoto prontamente colocou na cabeça, se sentindo um soldado, um general e começou a marchar alegremente pela sala, batendo com força os pés, um de cada vez, marcando o passo. Em seguida, o pai o chamou e novamente sacou uma nova folha e começou a outra dobradura. O menino correu para a cadeira e alcançou a mesa como se estivesse escalando uma montanha de onde poderia observar as tropas de um inimigo imaginário.
O homem, com paciência, iniciou a montagem do que parecia ser um outro chapéu. Mas, de repente, em outro passe de mágica, as mãos paternas o transformaram em um barco, que apareceu grande e majestoso.
O menino apanhou o barco e o pai lhe disse:
– Agora, você escreve um desejo dentro dele e vamos procurar algum curso d’água para que ele possa navegar.
O menino olhava com incredulidade, tentando entender o que ele queria dizer com isso. O pai, percebendo a dificuldade do menino em entender, explicou que um curso d’água poderia ser um rio, as águas de um bueiro, uma correnteza de chuva.
– E depois? O barco some? – perguntou o menino.
– Sim, e com ele o desejo se vai. – respondeu o pai.
– Vai até onde?
– Vai até o lugar aonde a água o levar, e com ele o desejo. Como não sabemos de onde vem a satisfação dos nossos desejos, ele vai chegar a esse lugar imaginário, alguém vai ler o bilhete e satisfazer o desejo, desde que a pessoa que o pediu tenha um bom comportamento; seja um menino legal, entendeu?
O garoto não sabia o que pedir, mas pediu naquela hora que o pai lhe ensinasse como fazer aqueles brinquedos, usando as folhas de jornal. O pai pegou outra folha e foi assim ensinando o menino a confeccionar muitos chapéus e muitos barcos, que ele usava para brincar as suas batalhas de brinquedo.
Um dia, ao voltar da escola, encontrou a mãe com os olhos cheios de lágrimas, e perguntou.
– Por que você está chorando, mamãe?
– Seu pai foi embora, meu filho!
– E por quê?
– Porque ele quis. Não se sentia mais feliz, queria conhecer o mundo e disse que não servia para ser pai, marido. Agora, estamos sós.
O menino olhava a frota de barcos que o pai lhe ensinara a fazer, e pensou que talvez em alguns daqueles barcos, que existiam de verdade, estaria o seu pai, conhecendo o mundo e se preparando para aprender muitos outros truques; e que, na sua volta, ele ensinaria todos eles, fabricando aviões, carros e todos os veículos.
Quando chovia, e a rua se enchia de água, o menino colocava o desejo dentro de um barco de papel, e lá ia aquele pedaço de jornal navegando pelas águas amarelentas da rua, levando para um lugar distante e desconhecido o pedido para que um dia o pai voltasse.
O menino soltou muitos barcos pelas águas, em qualquer água que encontrasse. Cresceu, e um dia desistiu de fabricá-los, resolvendo seguir a sua vida.
Tempos depois, casado e com um filho a perambular pela casa, e a pedido da mulher, que não sabia o que fazer para distraí-lo em dia de chuva, pensou em algum divertimento que ele pudesse fazer. Ele pegou uma das folhas do jornal que lia e começou a fazer um chapéu e o colocou na cabeça.
Seu filho, vendo aquele brinquedo estranho na cabeça do pai, pediu-lhe que fizesse um para ele. Atendeu ao seu pedido e, rapidamente, fabricou outro e o colocou na cabeça do menino.
O garoto saiu pela casa marchando e marcando os pés no chão. O pai sorriu e, pegando outra folha de jornal, fabricou um barco e o mostrou ao menino, no momento em que virava o chapéu e o transformava no novo brinquedo.
Os olhos do menino brilharam e ele perguntou como ele sabia fazer aquilo.
Ele respondeu:
– Quem me ensinou foi meu pai.
– O meu avô?
– Sim, o seu avô.
– E onde ele está?
– Não sei, eu não sei para onde ele foi.
– E o que eu posso colocar dentro desse barco?
– Pode colocar um desejo, falou o pai, não deixando que uma lágrima descesse pelo rosto. O que o fez se arrepender do que dissera.
– Então, eu vou colocar um desejo, disse o menino, rapidamente.
E, mesmo antes de ele responder, um papel e um lápis apareceram nas mãos dele para escrever um bilhete, enquanto passava para o pai um outro papel, para que ele também fizesse um pedido. O pai, diante da alegria do filho, não se atreveu a negar. E as suas mãos trêmulas preencheram o pequeno pedaço de papel.
Logo depois, o garoto perguntou:
– E onde podemos colocar nosso barco, levando nossos desejos?
O pai olhou para fora e descobriu que a chuva havia passado.
– Podemos soltá-lo na correnteza que ainda passa na rua!
O menino puxou o pai pelas mãos, levando-o para fora, sob os protestos da mãe que os chamava para almoçar. Para o pai era como se o tempo retornasse por um instante. Na rua, o menino colocou o seu bilhete no barco e pediu ao pai que ele colocasse, também, o seu desejo. O pai, constrangido, colocou o seu bilhete e o menino pousou, suavemente, o brinquedo de papel na correnteza, que, rapidamente, o transportou pela rua abaixo.
Os dois ficaram na calçada, cada um com um chapéu de papel na cabeça, observando o barco sumir no final da rua. Enquanto o menino pulava de alegria, tentando vê-lo, o pai, atrás dele, tinha o olhar perdido no horizonte.
Nilson Lattari, colunista e colaborador voluntário na Folha da Praia Online, é graduado em Literatura pela UERJ, especializado em Estudos Literários pela UFJF. Foi o primeiro colocado em crônicas no Prêmio UFF de Literatura, 2011 e 2014, e terceiro colocado em contos pelo mesmo prêmio em 2009. Primeiro colocado em crônicas prêmio Darcy Ribeiro – Ribeirão Preto, 2014. Finalista em livro de contos Prêmio SESC de Literatura 2013, finalista em romance Prêmio Rio de Literatura, 2016, além de várias menções honrosas em contos, crônicas e poesias.
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