Por Henrique Jambiski Pinto dos Santos*

Aqui, em se plantando tudo dá. Atribuída a Pero Vaz de Caminha, a máxima de mais de 500 anos continua mais atual do que nunca. A Companhia Nacional de Abastecimento – CONAB divulgou em abril de 2018 que a produção nacional de grãos deve ser a maior de todos os tempos (recorde, aliás, batido ano após ano), ultrapassando a barreira de 229,63 milhões de toneladas.

Grande notícia para o País que além de gerar renda e riquezas, reduz o déficit da balança comercial, vez que grande parte da produção é destinada à exportação e assim resulta em forte causa para ingresso de moeda estrangeira em nossa economia.

Tudo muito bom, tudo muito bem. Se a produção é recorde, então o agronegócio vai bem como nunca, certo? Não necessariamente. Em razão de suas dimensões imensas, o Brasil é composto por vários climas, relevos, composições geológicas e potenciais pluviométricos diferentes. Assim, é muito mais comum do que se pensa que haja superprodução aqui (o que dá mídia, propaganda e anúncio aos quatro ventos) enquanto há quebra severa de safra ali.

Aí é que está o problema. No País das supersafras não há esforço algum do Governo para socorrer o produtor que não colheu ou cuja colheita foi insuficiente para arcar com seus custos de produção. E qual o problema do produtor que não colheu, se no final das contas haverá produção recorde, não é mesmo?

Não, não é mesmo. É o produtor rural o grande responsável pela geração da maior parte da riqueza circulante na maioria dos municípios brasileiros (sobretudo os de porte médio e pequeno), razão pela qual quando o campo vai bem, a cidade vai bem. Já quando o campo vai mal… Além disso, o sucesso da atividade rural fixa o homem no campo, reduz o êxodo rural, gera riquezas e assegura ao País segurança alimentar, quiçá um dos mais importantes quesitos para efetiva soberania da nação.

Outro importante dado da economia campesina não é alardeado pela mídia nem pelo Governo: o endividamento dos produtores rurais com bancos, cooperativas, fornecedores de insumos, entre outros, chegou em 2018 ao histórico valor de R$ 280 bilhões. Para se ter uma melhor ideia da dimensão do problema basta ter por parâmetro o Plano Safra atual – maior da história – no valor de R$ 188 bilhões. Ou seja, o endividamento já e maior do que uma vez e meia o maior Plano Safra de todos os tempos.

O que de fato está acontecendo é que há dois Brasis rurais diferentes: um vai bem, obrigado, e apresentará nova safra recorde; outro, composto por produtores que tiveram suas produções assoladas por intempéries (falta de chuvas a mais comum) terá que lutar muito para não perder suas terras dadas em garantia das operações de crédito contraídas para plantar.

O que o produtor precisa saber é que a Legislação de Crédito Rural lhe socorre em momentos agudos. Claro que é muito mais simples quando as quebras são generalizadas, como nas safras de 2006 e 2007, porque então o Governo Federal trabalha no sentido de editar normas gerais de prorrogação, bastando ao produtor que demonstre sua intenção de prorrogar para ter seus débitos rolados para as safras futuras, sem prejuízo ou sacrifício de suas garantias.

O problema de safras como esta é justamente o oposto: como os olhos do Governo estão virados para a alardeada supersafra, produtores de regiões atingidas por falta de chuvas, como no Rio Grande do Sul, ou pelo excesso dela, como na Região Sudeste, estão entregues à própria sorte.

Somem-se aos que tiveram quebra na safra atual aos que já vinham endividados de outras safras (milhares de produtores carregando dívidas desde a época do nefasto Plano Collor, por exemplo) e se terá um panorama real da situação do campo no Brasil, muito mais complexa e perigosa do que parece.

Sem conseguir pagar seus débitos pelas quebras de safras ocorridas, os produtores estarão sujeitos, primeiro, à perda de crédito. Na sequência, ao arresto da pouca produção colhida ou execução para tomada da garantia hipotecária. Num nefasto efeito dominó, em breve estará promovida a absurda reforma agrária ao avesso, através da qual o produtor será arrancado de suas terras para satisfazer um crédito do banco que deveria estar prorrogado em razão das quebras de produção sofridas.

Não adianta, no País das supersafras, esperar que o Governo faça sua tarefa e proteja a produção atingia pelas intempéries. O socorro do produtor está em outro Poder da República: o Legislativo. O Brasil possui uma das mais avançadas legislações de crédito rural do mundo e assegura ao produtor em momentos de crise (ainda que a crise seja local, e não generalizada) o direito de parar suas contas e reprogramá-las para poder pagar com trabalho e não com a perda de suas terras.

Mas não basta que a Lei proteja a terra, o crédito e os meios de produção do agricultor: há necessidade de se exigir que estes direitos sejam cumpridos, seja na agência do banco, seja em Brasília, seja nos Tribunais. Se o produtor não conseguiu pagar seus débitos rurais em razão de quebra de safra e mesmo após tê-lo comprovado o banco se negou a prorrogar seus financiamentos, então não é o produtor que está violando o direito de crédito do banco, mas sim o banco que está violando o direito de crédito do produtor, o que deve ser resolvido na Justiça.

Sabedor de seus direitos, o homem do campo não será mais vítima, seja do clima, seja da inércia do Governo. Há, para a Lei, lugar para todos no País das supersafras.

 * Henrique Jambiski Pinto dos Santos é advogado especialista em dívidas rurais e direito bancário. Diretor Jurídico Geral da LYBOR LANDGRAF, Banca Advocatícia vencedora de vários Prêmios Nacionais na área de Direito para Agricultura.

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