Por Nilson Lattari*

           – Senhor, o seu guarda-chuva! Disse a acompanhante do ônibus, lembrando o acessório, como se a última coisa que ela desejasse fosse devolver algo perdido para o seu dono, ou simplesmente lembrar que o pequeno animal de estimação, que havia sido a companhia na manhã chuvosa, não devesse ser abandonado assim, em qualquer lugar, encostado em uma parede anônima. Mas, simplesmente, dando um aviso como se fosse uma advertência.

            – Pensou que iria esquecer o coitado, né? Principalmente depois que a chuva passou, como a dizer quem comeu a carne, agora roa o osso.

            Quantas vezes, e por tantos, um guarda-chuva não esteve perdido encostado em algum lugar, deitado inerte em uma cadeira de espera, quando a chuva passa e ele passa a ser um peso a ser carregado como uma obrigação, um companheiro de casamento irremediavelmente junto até que a morte ou o esquecimento e perda o separe.

            Quem bom seria se pudéssemos esquecer guarda-chuvas que fossem a angústia, o desapontamento, a derrota, e tudo aquilo que de mau nós estivéssemos, obrigatoriamente, carregando. E carregando em dias chuvosos e nebulosos.

            Seria como um sol que se abrisse diante do infortúnio. Porta aberta para a alegria, em troca de sentimentos ruins esquecidos em uma varanda, em um beco, uma sala de espera de consultório, em um cinema, ou em um ônibus, levando para o seu ponto final aquilo que queremos nos desfazer.

            Guarda-chuvas são usados contra as gotas impiedosas que caem do céu, lembrados quando somos surpreendidos pelas águas em plena rua, na saída do trabalho, lembrados no tempo ruim, no vento que espalha o líquido celeste para todos os lados.

            Guarda-chuvas se batem e se cumprimentam pelas ruas tempestuosas, da chuvinha fina e irritante aos vendavais, como seres acima de nós a se olharem e finalmente, vitoriosos, a transformar as ruas em meios-círculos a se espalharem como plantações de estranhas frutas de diversas cores e desenhos pelas calçadas.

            Uma visão de cima de um prédio sobre uma multidão que caminha com guarda-chuvas pelas ruas transformam os seres humanos em seres alienígenas.

            Pendurados nos braços em paradas de chuvas, vão oscilando como objetos desnecessários, jogados nos ombros, como o estorvo, ocupando espaços tão necessários para um abraço, um cumprimento.

            Têm uma elegância, quando carregados de uma forma natural pelas ruas, são armas de defesa, de ataque, brincadeiras de crianças a desobstruir bueiros entupidos, a servir como sinalizador, apontando uma rua, como um dedo estendido, luta de espadachins, ou guardachins. Depois de usados são estendidos em lugares protegidos para secar e preparados para uma nova refrega, e o grande risco de serem esquecidos.

            Esquecer guarda-chuvas é uma arte praticada por muitos. A arte de esquecer guarda-chuvas poderia ser também um pouco a arte de esquecer problemas, esquecer infortúnios, esquecer a companhia indesejada, esquecer os dias chuvosos.

 

* Nilson Lattari, colunista e colaborador voluntário na Folha da Praia Online, é graduado em Literatura pela UERJ, especializado em Estudos Literários pela UFJF. Foi o primeiro colocado em crônicas no Prêmio UFF de Literatura, 2011 e 2014, e terceiro colocado em contos pelo mesmo prêmio em 2009. Primeiro colocado em crônicas prêmio Darcy Ribeiro – Ribeirão Preto, 2014. Finalista em livro de contos Prêmio SESC de Literatura 2013, finalista em romance Prêmio Rio de Literatura, 2016, além de várias menções honrosas em contos, crônicas e poesias.

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