A recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) é de que a cobertura contra a poliomielite seja de 95%. A doença é considerada erradicada no país, mas, de acordo com o MPF, a deficiência na cobertura vacinal dos municípios impõe risco de reintrodução da patologia no país. O último caso de pólio no Brasil foi registrado em 1990.
Em ofício, a procuradora Deborah Duprat recomenda que os municípios adotem uma série de providências para imunizar mais crianças contra a doença. Dentre elas, a ampliação do horário de funcionamento das salas de vacina, a aplicação de mais de uma vacina por vez quando necessário e a busca ativa das crianças com vacinas atrasadas por agentes de saúde.
Ao CORREIO, em entrevista por email, a procuradora explicou que, desde que está à frente da procuradoria, em maio de 2016, nenhum tipo de autuação por problemas na cobertura vacinal aconteceu no Brasil. “E acho muito difícil que tenha ocorrido antes, até porque o programa de vacinação do Brasil era reconhecidamente exitoso, com a erradicação de várias doenças”, pontuou.
Prazo
Agora, os municípios têm até 10 dias úteis (ou dia 20 deste mês) para responder ao ofício. Se não houver retorno dentro desse período, o ofício será reiterado, como uma advertência. “A existência ou não de crime dependerá de cada caso, ou seja, da conduta concreta praticada”, disse a procuradora.
As prefeituras também devem assegurar que o Sistema de Informação do Programa Nacional de Imunização (SI-PNI) seja implantado, além do treinamento dos servidores responsáveis pela utilização do sistema.
Problemas no sistema
A cidade que tem a menor cobertura vacinal contra a poliomielite, Ribeira do Pombal (0,5%), de acordo com o Ministério da Saúde, não deve estender os horários nas salas de imunização.
A coordenadora de vigilância epidemiológica do município, Ana Verena Andrade, explica que os dados estão errados. Ela confirmou ao CORREIO que recebeu o ofício do MPF e adiantou que as informações foram corrigidas no sistema do Ministério da Saúde.
Ela diz que ainda não pode precisar o percentual da cobertura vacinal na cidade, mas garante que é superior a 92%. Portanto, não seria necessário adotar as recomendações do MPF, a exemplo dos horários ampliados. “Porque a gente tem certeza de que a nossa população foi vacinada. Hoje (nessa segunda) fizemos uma reunião com os agentes para reforçar essa questão e já nos dá uma tranquilidade mesmo, porque a nossa população está coberta”, explicou.
Mesmo assim, Ana Verena adianta que a prefeitura pretende fazer uma busca ativa ao longo de uma semana, no fim do mês, para imunizar eventuais crianças que não tenham sido vacinadas anteriormente.
A secretária de Saúde de Ribeira do Pombal, Lakcelma Costa, afirmou que a incongruência dos dados se dá por conta da alteração realizada no sistema do Ministério da Saúde. “O sistema foi mudado. Quando o programa foi alterado, ele não migrava dados do sistema antigo para o novo. O prefeito foi à Brasília para verificar a questão e viram que foi um problema no sistema, que já foi corrigido”, sustentou a secretária.
Falhas
Assim como a de Ribeira do Pombal, a prefeitura de Tucano também alega falhas no sistema de dados para justificar sua posição na tabela de cobertura vacinal contra poliomielite do Ministério da Saúde. A coordenadora de atenção básica do município, Josélia Moura, classificou o valor como “absurdo”. “Em dezembro de 2017, nós atingimos 92% de cobertura do calendário nacional das vacinas. Podemos comprovar com a carteira de vacinação das crianças. Não tem como em 2018 a gente cair para 13%”, sustentou.
A coordenadora ainda denunciou que a cidade recebe poucas vacinas contra poliomielite do Ministério da Saúde. “O fornecimento tem sido realizado em porções pequenas. Vem cerca de cinco frascos, o que significa umas 25 doses por mês. No entanto, mesmo com esse número pequeno, nós fechamos o ano passado com cobertura de 92%. Então a problemática que temos é o pouco fornecimento associado a esse problema no sistema”, disse.
O município deve continuar com suas ações cotidianas e apenas deverá atender as recomendações do MPF se for ordenado, de acordo com Josélia. “A nossa realidade não é cobertura vacinal de 13%. Se for uma ordenação, iremos realizar. Mas se for apenas uma sugestão, iremos continuar com nossas políticas. Não fomos acionados pelo MPF”, destacou.
Tucano possui 17 unidades de saúde e conta com ações itinerantes de vacinação. “O enfermeiro vai até as comunidades mais distantes para vacinar a população. Promover ações para estender o horário pode não ser suficiente para essas comunidades, que são rurais. Muitas vezes, as pessoas não têm condições financeiras para deslocamento até a unidade de saúde. Nós vamos nos reportar à Sesab (Secretaria Estadual da Saúde), a orientação que ela der, nós iremos acatar”, ponderou.
Dados equivocados
A prefeitura de Vitória da Conquista também alegou que os dados fornecidos pelo Ministério da Saúde estão equivocados. Em nota enviada à imprensa, a Secretaria de Saúde do município alegou que os dados “não refletem a realidade”. “Os números mostram que a nossa cobertura está em 96,15% para os menores de um ano de idade na zona urbana, número bem superior ao divulgado”, afirmou a coordenadora de imunização, Ana Maria Ferraz.
A secretaria afirmou, também, que entrou em contato com o Ministério da Saúde para apurar a fonte dos dados e corrigir as informações. “A vacina contra a poliomielite é oferecida permanentemente em todas as Unidades de Saúde do município, fazendo parte da rotina dos programas de imunizações (Calendário Nacional de Vacinação)”, disse.
Resistência da população
Ao contrário dos outros municípios, a prefeitura de Ilhéus admitiu um baixo número na cobertura da poliomielite. De acordo com a secretária de Saúde, Elizângela Oliveira, diversos fatores fazem com que haja uma diminuição na vacinação na cidade. Dentre eles, estão uma maior resistência dos pais para realizar a vacinação nos filhos, a demora na reposição das doses das vacinas e um problema interno de transferir os dados para o sistema.
De acordo com Elizângela, o município irá realizar uma série de ações para melhorar a cobertura vacinal, como reunião através da Secretaria de Educação com os pais de alunos, explicando a importância da vacina para as crianças, além de ações nas maternidades, escolas públicas e particulares e palestras nas unidades de saúde. A cidade ainda irá garantir doses suficientes para que o atendimento seja contínuo nas unidades de saúde.
Dever dos municípios
Procurado pelo CORREIO, o Ministério da Saúde afirmou que é dever dos estados e municípios preencher o sistema de forma correta “para que a pasta tenha a real situação das coberturas das vacinas ofertadas no Calendário Nacional de Vacinação”. De acordo com a pasta, em caso de divergência entre os dados, os gestores locais devem informar ao Ministério para que a correção seja realizada.
O Ministério ainda ressaltou que alguns estados e municípios possuem sistemas próprios e que é dever deles realizarem a migração dos dados para a plataforma federal. “É importante ressaltar que cabe aos municípios e aos estados avisar ao Ministério da Saúde, caso ocorra algum problema de compatibilidade dos sistemas do município com o Ministério da Saúde”, diz a nota. Uma Campanha Nacional de Vacinação contra a Poliomielite irá ocorrer entre 6 a 31 de agosto de 2018.
Solicitação de resposta
Ciente dos argumentos das secretarias municipais – de que os dados do Ministério da Saúde estariam equivocados –, a Sesab já encaminhou, na semana passada, um documento ao órgão federal, solicitando que o sistema de informações seja atualizado com o máximo de brevidade.
“Isso não tem acontecido. Tem havido um atraso e o sistema tem que estar implantado em todas as salas de vacina. O estado comprou computadores para 100% das salas de vacina, então, realmente, pode acontecer de o município estar realmente vacinando e não refletir no sistema de informação”, afirmou o coordenador de imunização do estado, Ramon Saavedra. No entanto, ele garante que não houve falta de vacinas em nenhum momento do ano passado. Isso porque as doses são enviadas pelo Ministério da Saúde à Sesab que, por sua vez, encaminha às prefeituras.
“Pode ter acontecido algum desabastecimento, mas isso não é falta. A vacina que teve a maior situação de desabastecimento foi a pólio oral, que é a da gotinha. Mas a dose que conta para a contagem da cobertura vacinal é a pólio inativada, que é a terceira dose. Ou seja, uma possível falta, que não houve, da vacina oral, não iria refletir no cálculo da cobertura vacinal”, diz.
De acordo com ele, entre janeiro e abril de 2018, a Sesab registrou 11 suspeitas de casos de paralisa flácida aguda (causada pela poliomielite) em menores de 14 anos. Nenhuma suspeita, contudo, foi confirmada. No ano passado, durante todo o ano, foram 26 suspeitas – nenhum resultado positivo.
Plano de ação
A presidente do Conselho Municipal de Secretários Municipais de Saúde do Estado (Cosems), Stela Souza, contou que a entidade já entrou em contato com as 63 prefeituras e pediu que respondessem, em um formulário, quais foram as dificuldades que encontraram para alcançar a meta de imunização. A partir desses resultados, a entidade deve apresentar um relatório à Secretaria da Saúde do Estado (Sesab) em uma reunião prevista para quarta-feira (11).
“Vários estão falando que, na base municipal, eles alcançaram a meta. Então, precisamos do relatório deles primeiro. O importante é que, em paralelo a isso, estamos criando um plano de ação emergencial e vamos discutir com o estado como contornar essa situação”, explica Stela.
De acordo com ela, as ações incluem monitorar as salas de vacina dessas cidades, em parceria com a Sesab, além de acompanhar a regularidade dos imunobiológicos. “Um exemplo é que temos várias campanhas de Dia D, mas, no Dia D, a gente não consegue fazer o dia todo porque não tem vacina suficiente. Esse é um problema que já foi identificado em reuniões do conselho”. Segundo ela, a partir desses levantamentos, também poderá ser dada uma resposta ao MPF.
Ao CORREIO, a Sesab informou que, além da Campanha Nacional de Vacinação, está elaborando um plano de ação para melhoria das coberturas vacinais no estado. “As campanhas de vacinação em massa são realizadas desde de 1980, sendo que o último caso de poliomielite na Bahia foi em 1988 e, no Brasil, foi em 1989. A recomendação é atualizar as cadernetas de vacinação das crianças, tendo em vista que a vacina está disponível na rotina dos serviços de saúde”, informam.
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Baixa cobertura pode trazer doença de volta ao país
Erradicada desde 1990, a poliomielite poderá retornar ao país, caso a baixa cobertura vacinal continue ocorrendo. O infectologista Adriano Oliveira explica que a poliomielite, ou paralisia infantil, é uma doença viral de transmissão fácil. O contágio pode ser realizado através de secreções orais e respiratórias, além das fezes. “Caso a vacinação continue baixa, as doenças podem retornar, muitas vezes trazidas por imigrantes. A vacina é essencial para a criança e a falta dela é de negligência”, explicou.
O infectologista explicou que a vacina é tomada nos primeiros meses de vida e deve ser reforçada posteriormente. “A vacina é fornecida a crianças pequenas, entre 2, 4 e 6 meses. O reforço é dado com 15 meses e depois é feito anualmente, até a criança completar 6 anos”.
A transmissão pode ser fecal-oral, ou seja, as fezes podem contaminar alimentos, água e pode ser levada diretamente à boca. Gotículas de saliva também realizam a transmissão pelo ar.
“É uma doença predominantemente intestinal. O vírus se instala em mucosas e poucas pessoas adoecem. Apenas 1% das pessoas que adquirem a doença desenvolvem a paralisia, que atinge os membros inferiores. Há a perda da força muscular e reflexos, mantendo sensibilidade e dor”, especificou.
A poliomielite costuma atingir crianças com menos de quatro anos – mas pode ser observada também em adultos – e não tem cura.
Fonte: Correio
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