Passava de 12h de ontem (22) quando a equipe do CORREIO entrou no gabinete do prefeito ACM Neto (DEM). Com os olhos voltados ora para a Baía de Todos os Santos ora para o smartphone na mão, Neto parecia distraído. “Está pensativo, prefeito?”, perguntou a reportagem. “Estou escolhendo a palavra certa para uma resposta. Não posso errar. Hoje, tudo que escrevemos aqui vira documento”, explicou.
Quase cinco minutos depois, Neto iniciava a entrevista, na qual falou sobre os desafios de ter sua segunda gestão comparada com a primeira, áreas da prefeitura que precisam de avanços, dúvidas e certezas sobre a eleição de 2018, queda de braço com o setor de transportes, integração do metrô, reajuste de ônibus e, claro, o eventual duelo com o governador Rui Costa (PT): “Se eu decidir ser candidato, ele vai enfrentar um adversário duro, que vai colocar o dedo na ferida e mostrar todos os problemas da Bahia que são encobertos com grandes gastos em propaganda”.
O senhor está concluindo o primeiro ano do seu segundo mandato. Como é competir consigo mesmo?
Sem dúvida, esse é meu grande desafio. Primeiro, afastar qualquer sentimento de acomodação. Por isso mesmo é que preparamos um conjunto de novidades e de projetos diferenciados, para não deixar que a rotina possa nos deixar acomodados. É claro que começar um segundo mandato tendo a casa arrumada e a administração organizada, por um lado traz o desafio de ser comparado com você mesmo, de não ter a possibilidade de dar desculpa para nada; por outro, já se tem toda uma máquina funcionando, a engrenagem montada e um time sintonizado, que é, para mim, o grande diferencial da prefeitura de Salvador. Temos uma equipe que trabalha como uma orquestra. Cada um sabe seu papel. Estão todos focados no melhor para a cidade. Lembre que 2017 foi um ano em que comecei, literalmente, apertando o cinto.
“Começar um segundo mandato tendo a casa arrumada e a administração organizada, por um lado traz o desafio de ser comparado com você mesmo, de não ter a possibilidade de dar desculpa para nada”
Inclusive, baixou um decreto de contingenciamento logo no início dessa gestão…
Tiramos o pé do acelerador. As incertezas eram muito grandes sobre o cenário econômico. Não tínhamos ideia de como iria se comportar a receita do Município. Por causa disso, tive um primeiro semestre bastante seguro em relação aos gastos. À medida em que fomos vendo que as coisas caminhavam para termos um ano, não diria bom, mas razoável, nos sentimos confortáveis para soltar os projetos, iniciar a execução de diversas obras e continuar a ampliação de serviços. Também tinha muito claro na minha cabeça de que este era um ano para planejar os seguintes. A gente decidiu se dedicar ao planejamento estratégico de 2017 a 2020, que apresentamos recentemente. Cada órgão, secretaria, direção e coordenação sabe quais são suas metas, projetos e iniciativas necessárias, com os marcos de entrega perfeitamente definidos. Ao mesmo tempo, demos atenção ao programa Salvador 360, o grande guarda-chuva dos principais investimentos e projetos até 2020, com foco na questão econômica da cidade. Ou seja, a prefeitura se lançou de maneira pioneira em um terreno que nunca havia entrado, que é a economia, a geração de empregos e a atração de investimentos. O Salvador 360 ocupou muito do meu tempo, de minha energia e do trabalho administrativo, mas hoje já temos as bases montadas para saber tudo que temos que fazer nos anos seguintes.
Fora a economia e o desemprego, que ainda é alto em Salvador, que outra área ainda precisa de um salto qualitativo?
Antes, é importante frisar que o problema do desemprego não é somente de Salvador. Prefeito e governadores têm o hábito de dizer que essa é uma questão nacional, que depende do país. Claro que também é. Mas não quis deixar esse assunto, por ser tão relevante, sem um tratamento prioritário por parte da prefeitura. Por isso, tivemos a coragem de nos lançar nesse campo. Respondendo sua pergunta, diria que há duas áreas onde conseguimos avanços importantes, mas que precisam continuar avançando. Uma delas é a saúde. Conseguimos mais do que dobrar a cobertura de atenção básica. Salvador tinha uma UPA, hoje tem nove. Não tinha nenhum multicentro. Agora tem quatro. Vamos inaugurar em 29 de março o primeiro Hospital Municipal. Há o desafio de manter a expansão da atenção básica. Para isso, vamos inaugurar nos três primeiros meses do ano 13 postos de saúde da família. Essa foi a área em que a prefeitura mais contratou nos últimos quatro anos. Como a demanda continua crescendo sempre, à medida que mais serviços são oferecidos, a saúde vai continuar exigindo um investimentos e um olhar todo especial da administração.
E a segunda área?
A outra é transporte. Desde que assumi a prefeitura, obtivemos avanços significativos, com o Domingo É Meia, o Bilhete Único, a reforma da Estação da Lapa e a concessão dos ônibus. No entanto, hoje a gente trava uma batalha com os prestadores do serviço, que são os concessionários de transporte. Eles enfrentam uma crise econômica séria e sem precedentes, mas precisamos batalhar para que o serviço continue melhorando, sobretudo no que se refere à renovação da frota. Nós tivemos no início da concessão uma renovação significativa, Depois, em função da crise, o ritmo diminuiu. Venho pressionando o sistema para que volte a garantir a renovação.
(Foto: Betto Jr/CORREIO) |
Recentemente, foi confirmado o reajuste na tarifa de ônibus, como previsto no contrato de concessão. Já se sabe o tamanho?
Estamos fechando nos próximos dias a tarifa. O que me deixa tranquilo é que, desde meu primeiro dia na prefeitura, acabou aquela história de que empresário senta com o prefeito ou com o secretário para negociar reajuste. Isso não existe mais. Temos um contrato com regras muito claras. A Arsal (Agência Reguladora de Serviços de Salvador) e a Secretaria de Mobilidade estão examinando as bases do contrato e fazendo os cálculos para definir a tarifa, que será acatada por mim e anunciada até o fim do ano.
A nova tarifa interfere também na integração com o metrô?
Na verdade, o que vem acontecendo é a paridade de preços nos dois sistemas. Cabe à prefeitura anunciar o preço da passagem de ônibus e cabe ao governo do estado anunciar o valor do metrô. O que o governo vem dizendo é que vai adotar a mesma tarifa dos ônibus. É óbvio que a integração que foi feita ajudou a ampliar ou promover o desequilíbrio no sistema exclusivo de ônibus, porque houve uma migração de passageiros muito grande para o metrô, impactando na equação final. Só que não vou passar essa conta para a tarifa.
“Se a pergunta é essa, não faremos com que o usuário pague a conta da integração garantida pela prefeitura”.
E de onde vai vir o dinheiro para pagar essa conta?
É uma soma considerável. Estamos fazendo um estudo paralelo, uma auditoria na bilhetagem eletrônica. Ele vai definir se há ou não desequilíbrio na conta desse contrato. Caso haja desequilíbrio, ele terá que ser compensado. Por enquanto, venho fazendo o máximo de esforço possível para evitar que o cidadão não tenha a sua tarifa onerada.
Sobre 2018, há uma expectativa enorme em relação ao seu posicionamento na disputa eleitoral. O senhor tem repetido com frequência que não sabe se será candidato ao governo. Ao mesmo tempo, se vê cada vez mais cristalizada sua candidatura. Vai ou não entrar na corrida?
Engraçada essa pergunta. Tem gente que diz que venho dando sinais trocados. Não é nada disso. É importante deixar claro que não é charme e nem jogo político. É apenas responsabilidade. Tenho que ser cuidadoso no desenho dos passos que vou dar antes da definição. Tinha me imposto como obrigação não tratar da disputa eleitoral antes de 2018, por respeito ao mandato que recebi do povo de Salvador ano passado. Em 2017, meu foco foi direcionado para administrar a cidade. Ou como eu gosto de dizer, “prefeitar”. Fui pouquíssimo ao interior. Estive inteiramente voltado para a cidade. Com a virada do ano e tendo um calendário que impõe o dia 7 de abril como prazo final para uma decisão, tenho aproximadamente três meses para decidir. Ora, não posso deixar para última hora uma decisão séria dessa. Ela não é pessoal. Não se trata do que penso, acho ou quero. Tem que ser reflexo de algo maior. A partir de janeiro, pretendo dedicar parte do meu tempo para conversas políticas, para ouvir minhas bases, consultar parceiros na capital e no interior, mas, sobretudo, para ouvir pessoas fora da política.
“A opinião de gente que não pertence ao universo político terá muito mais peso na decisão”.
Por quê?
Quando a gente conversa com nosso grupo, existe uma opinião quase formada. Evidente que não vou ouvir Bruno Reis (vice-prefeito e herdeiro natural do cargo em caso de renúncia de Neto). E mais: fora da política, não quero ouvir pessoas só do meu círculo. Diria também que o ponto fundamental da minha decisão está na compreensão que preciso ter sobre a vontade do povo de Salvador. Foi isso que eu prometi em 2016. Em momento nenhum da campanha, caí na armadilha de dizer que não iria renunciar. Disse que a decisão passaria pela vontade do cidadão de Salvador. Vou respeitar esse compromisso com as pessoas que me deram 74% dos votos. Se eu perceber que há um desejo majoritário da população da cidade pela minha candidatura e que as condições políticas que acho necessárias estão criadas, existe de fato a possibilidade de que eu deixe a prefeitura e dispute o governo.
Quais seriam essas condições políticas?
Por razões óbvias, não posso expor em detalhes. A partir de janeiro, isso será objeto das discussões que terei com meu grupo e com meus parceiros. Nessa costura, o ponto de largada são os partidos que estão comigo hoje. Depois, dentro do que for possível construir nesse ambiente, é que vamos pensar em abrir outros diálogos. Caso eu decida não ser candidato, buscaremos a construção de uma candidatura competitiva. Uma coisa eu garanto: ninguém vai vencer a eleição por WO. Qualquer que seja a configuração da disputa, ela será bastante acirrada. Será um quadro eleitoral que talvez mostre a maior polarização e a mais dura disputa que a Bahia já viu em todos os tempos. Nós estaremos em campo e com boas chances de vencer o campeonato.
É notória a grande impopularidade do presidente Michel Temer. Não há receio de que seus adversários lhe associem a ele em uma eventual campanha?
Não. Primeiro, porque não votei nele. Quem votou em Michel Temer como candidato a vice-presidente e quem o escolheu para ocupar essa posição foi o PT. Segundo, eu não sou do PMDB. Terceiro, não tenho obrigação de concordar com tudo que o governo federal faz, pensa e defende. Estou muito tranquilo em mostrar para a população que o bom relacionamento que procuro manter com Temer eu também procurei manter com a ex-presidente Dilma Rousseff. A diferença é que Dilma me perseguiu. Essa relação tem como objetivo trazer benefícios para Salvador. A população quer isso e saberá reconhecer a diferença.
O senhor parece desconsiderar a tática dos seus oponentes…
Hoje, o governador Rui Costa praticamente não tem oposição. A pessoa que tem condições de fazer oposição, em termos de repercussão pública, sou eu. E não tenho feito isso, pelo compromisso institucional que assumi como prefeito. No entanto, se eu decidir ser candidato, ele vai enfrentar um adversário duro, que vai colocar o dedo na ferida e mostrar todos os problemas da Bahia, que são encobertos pelo governo com grandes gastos em propaganda. Quem vai ter que passar a campanha se explicando é ele: sobre a explosão da criminalidade e a perda de importância econômica do estado no cenário nacional. Não tenho nenhum receio da tática deles, embora não subestime meu adversário. Mas já tentaram colar Temer comigo na campanha de 2016. E não funcionou.
“Quem vai ter que passar a campanha se explicando é ele: sobre a explosão da criminalidade e a perda de importância econômica do estado no cenário nacional”.
Não vai casar, prefeito?
Desde que assumi a prefeitura, me perguntam isso. Bati na trave um ano atrás, mas não aconteceu. Desejo casar de novo, sou um cara muito família e creio no amor a dois, mas tudo tem a hora certa.
É impressão ou o senhor está gostando da solteirice?
Vamos ver. Deixa o tempo passar.
Fonte: O Correio
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