Por Anna de Oliveira, com estilo de narrativa do Novo Jornalismo –
A hora oportuna do dia era chegada, quando o céu ganha um tom de azul mais amadurecido, no findar da tarde e o estrear da noite. Aquele momento de transição, quando as luzes cintilantes de recém-iluminadas estrelas compõem o pano celeste. As umidades cálidas, próprias do clima litorâneo e tropical, crepitavam sutilmente sobre a pele, a promover um sentido agradável de acolhimento.
Era próximo das dezoito horas quando adentrei o Centro Histórico de Canavieiras, no Sul da Bahia. Já a me preparar para fazer os registros fotográficos, diante da Igreja Matriz de São Boaventura, construída no estilo neogótico, sinos começaram a badalar reiteradamente, marcando a décima oitava hora do dia. Neste instante percebi os sons ecoando no infinito, e a cada batida, o eco me dava respostas e confirmações. Este sinal me fez entender o insight que tivera antes de pegar a estrada: “Você vai. Vai gostar e vai querer voltar”.
Atraída ao município pelo Festival do Caranguejo, no dia da apresentação do cantor Jau, minha bagagem foi preenchida muito mais com expressões e impressões bastante formidáveis da própria localidade, que integra uma ilha em um conjunto de ilhas. É, verdadeiramente, uma cidade cinematográfica, penteada.
Em meio a lindas paisagens naturais, permeadas por praias extensas, coqueirais, mangues e rios, as belezas da arquitetura colonial interceptam o lugar, agraciado com os belíssimos patrimônios históricos, como a Praça de São Boaventura, Praça da Bandeira também conhecida como a Praça XV de novembro e Ponte do Loyd, que integram o Sítio Histórico Paulo Souto. Fiz fotografias noturnas nestes locais, movida por um ar pitoresco e nostálgico, permeado por uma consciência de identidade, pertencimento e história.
Hoje, Canavieiras conta com aproximados 38 mil habitantes, e, dentre as principais atividades econômicas, estão o turismo e a pesca, além de plantações de coco e extração de caranguejos, que também são os seguimentos da economia local.
Já estive em outros centros históricos como o de Belém, João Pessoa, Fortaleza, Salvador, Ilhéus… Mas nunca tinha visto um centro histórico tão bem tratado como vi o de Canavieiras, em razão de sua política urbana. Fiquei impressionada com o tratamento que o poder público e, consequentemente, os próprios canavieirenses dispensam para a cidade, verdadeiramente abençoada e sob o patrocínio do padroeiro São Boaventura. O zelo pela limpeza e organização chamaram minha atenção. Ruas largas, praias limpas, numa mistura que reúne riqueza cultural, história e belezas naturais.
Para a orla da praia de Atalaia, a política urbana foi aplicada utilizando uma disposição simples, mas muito digna. Dá para ver claramente a observância quanto às normas urbano-ambientais, com o respeito ao devido recuo da orla em relação à maré, gramado na área de convivência, cabanas feitas com materiais naturais, mesas e bancos de madeira, equipamentos de lazer para crianças, passarela, iluminação eficiente, limpeza, vias largas e espaços seguros para práticas de atividades físicas. Um exemplo a ser seguido e adotado em cidades praianas, como Ilhéus, pois assegura à coletividade o direito à convivência social no espaço público de forma decente.
Também visitei a Galeria do Porto, composta por antiguidades e provas materiais da história. Acompanhada de bons amigos, experimentei o típico prato “cabeça de rubalo”. Uma iguaria local deliciosa servida na estrutura do caranguejo, em um prato com várias unidades regadas a um caldo muito saboroso. A capsula do marisco, é preenchida com bastante carne de caranguejo, e como acompanhamento, um suculento pirão.
Presenciamos durante o evento, manifestações culturais como capoeira, apresentação de balé, receitas ao vivo e o esperado show de Jau no festival do caranguejo. Promoção do turismo, entretenimento e lugar de empreendedorismo, foram claramente fomentados, com uma iniciativa forte e organizada.
A visita foi rápida, mas muito rica. Me despedi de Canavieiras sentindo leveza e a certeza do breve retorno para novas descobertas. Pois em cada lugar que vamos e pessoas que conhecemos, é possível encontrar pedaços de nós, ao tempo em que os fragmentos dos lugares e pessoas, se incorporam em nós com as experiências e trocas vivenciadas. Afinal, a vida é a arte do encontro.
Um pouco de História
Dentre as inúmeras peculiaridades, está o fato de Canavieiras ter sido no sul da Bahia a precursora da cultura do cacau. Foi nos idos de 1746, que as primeiras sementes trazidas do Pará chegaram na região, plantadas às margens do rio Prado, na fazenda Cubículo, por Antônio Dias Ribeiro. A história oral conta que o nome “Canavieiras” advém da própria formação do lugar, constituída pelas plantações de cana-de-açúcar em propriedades da família dos Vieiras, no início do século XVIII. Pertencia à comarca de Ilhéus, e após passar do status de povoado, freguesia, vila, vila imperial e comarca, em 25 de maio de 1891, Canavieiras foi elevada à categoria de cidade, tendo hoje 126 anos.
Conservação
Uma reserva extrativista de 100.726,36 hectares existe no município, com uma unidade de conservação administrada pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).
Fotos: Anna Karenina
Excelente matéria, mas o nome do rio onde foi plantado o primeiro pé de cacau é Pardo. Obrigada pela sua visita! Volte sempre!